Menir do Monte do Trigo é o primeiro do género alguma vez descoberto no Sotavento

Achado arqueológico conta a história inédita dos habitantes pré-históricos de São Brás

«Esta é a primeira escavação arqueológica de sempre da história do concelho de São Brás de Alportel», anunciou o arqueólogo António Faustino de Carvalho, junto ao agora chamado menir do Monte do Trigo, que esteve a ser alvo de escavações coordenadas por este especialista durante uma semana de Agosto.

Mas essa não é a única particularidade do achado arqueológico: é que este é também o primeiro menir em calcário e com características que o atribuem ao Neolítico (há 5500 anos, ou seja cerca de 3500 a.C) a ser descoberto no Sotavento Algarvio.

Por isso, trata-se de «um achado sumamente interessante à escala regional», garantiu o investigador.

«Este tipo de menir, pela sua forma, pela matéria de que é feito, o calcário, pelas suas dimensões, pela sua morfologia geral, é exatamente igual às dezenas de menires que conhecemos no Barlavento, no extremo ocidental do Algarve», explicou António Faustino de Carvalho ao grupo de jornalistas, autarcas e outros responsáveis, nomeadamente da Direção Regional de Cultura, e ao proprietário do terreno, durante uma visita ao local, no último dia das escavações.

«Nós conhecemos este tipo de menires em Aljezur, Vila do Bispo, Lagos, Lagoa», acrescentou. Mas «não conhecíamos fora destes quatro concelhos» e, por isso, «estar aqui, quase no coração do Sotavento, foi muito estranho para mim, eu cheguei a duvidar que pudesse efetivamente ser um menir do período Neolítico».

É que, explicou o arqueólogo e professor da Universidade do Algarve, «no Sotavento, em Loulé e Salir, por exemplo, existe o menir do Cerro das Pedras, que foi descoberto pelo próprio Estácio da Veiga no século XIX, no Lavajo, em Alcoutim, existe também um complexo menírico, que está aliás aberto ao público».

Só que «esses são os únicos exemplos que temos no Sotavento de estruturas semelhantes a esta, mas aqui a palavra-chave é “semelhante”, porque não são exatamente iguais». Os menires sotaventinos «são feitos noutras rochas, têm outras configurações, que são mais ou menos troncocónicas, prismáticas ou de morfologias irregulares, não com esta morfologia fálica».

São, além disso, de «um período mais tardio da Pré-História, do período Calcolítico ou Idade do Cobre, têm cerca de 5000 anos», ou seja, pelo menos cinco séculos mais novos que o menir do Monte do Trigo.

Tudo isso leva o arqueólogo a concluir que, «estas primeiras comunidades neolíticas» estão ainda «muito mal estudadas nesta metade oriental da nossa região».

O grupo de arqueólogos e alguns dos visitantes – Foto: Elisabete Rodrigues | Sul Informação

A própria descoberta deste menir do Monte do Trigo é curiosa. Foi encontrado no Verão de 2021, por um habitante da vizinha localidade de Machados, que é apaixonado por trilobites e outros fósseis e andava à sua procura nos calcários daquela colina.

«Esse senhor, embora não seja arqueólogo, nem sequer amador, pelas coisas que lê e vê, rapidamente reconheceu» que esta pedra, meio enterrada, meio coberta de vegetação, «poderia ser um menir» e publicou a sua descoberta nas redes sociais.

Foi a própria Direção Regional de Cultura do Algarve que, tendo conhecimento do achado por essa via, entrou logo em contacto com a Câmara Municipal de São Brás de Alportel e com a Universidade do Algarve. Tendo em conta que, no Departamento de Artes e Humanidades da UAlg, António Faustino de Carvalho é o especialista neste período, foi ele o indicado para se ocupar do assunto, falar com a autarquia são-brasense e ver quais os passos seguintes.

Foi estabelecido um protocolo entre a Universidade e o Município, submetido um projeto de investigação arqueológica à Direção-Geral do Património Cultural e os trabalhos foram finalmente para o campo no dia 14 de Agosto.

Além de António Faustino de Carvalho, que coordena, e de Angelina Pereira, que é a arqueóloga da Câmara de São Brás, as escavações têm sido feitas por um grupo de estudantes de arqueologia da UAlg, «mais ou menos voluntários», uma vez que, como brinca o professor, «isto é a cadeira prática deles», sendo portanto obrigados a fazê-la.

Mas a equipa integra também a jovem Beatriz, que é natural de Machados, a povoação que se vê no sopé do Monte do Trigo, e está a estudar arqueologia na Universidade Nova de Lisboa.

«Não desfazendo de todos os membros da equipa, é também com particular orgulho que digo que se juntou voluntariamente uma machadense aqui ao grupo. Ela esteve aqui de picareta na mão todos estes dias», garantiu Marlene Guerreiro, vice-presidente da Câmara de São Brás de Alportel, que também acompanhou a visita.

Aliás, a autarca fez questão de elogiar os restantes estudantes, a quem chamou «quatro mosqueteiros extraordinários».

António Faustino de Carvalho com Marlene Guerreiro e Angelina Pereira – Foto: Elisabete Rodrigues | Sul Informação

Após uma semana de duro trabalho de campo, o arqueólogo responsável anunciou que, além do menir quase inteiro, foram ainda detetados «mais três ou quatro peças, mas em muito mau estado de conservação», porque «estão partidas», algumas mesmo «reduzidas a fragmentos com cerca de 30 ou 40 centímetros».

Os fragmentos de outros prováveis menires estavam, nesse último dia de trabalhos de campo, a ser devidamente localizados no terreno por uma equipa de topografia.

António Faustino de Carvalho adianta possíveis razões para o mau estado dessas pedras milenares: aconteceu «aquilo que é muito comum nas paisagens do nosso país do Minho ao Algarve, que é o aproveitamento das pedras que existem nos locais, que são partidas para fazer muros de divisão de propriedades, para fazer valados, para fazer outro tipo de estruturas rurais».

O menir do Monte do Trigo «teve a sorte de estar parcialmente coberto com terra e, como é volumoso, terá resistido mais à ação humana e à ação do tempo».

Este menir já não está in situ, ou seja, no local original onde teria sido erguido, ereto para marcar o território do povo que há 5500 anos teria vivido na encosta e no vale aos pés do monte, na zona que hoje se chama Machados, à beira da EN2.

Apesar de hoje estar deitado, na origem estava na vertical, a marcar o território, muito provavelmente no alto do monte, talvez com outros menires nas imediações.

«Não sabemos exatamente onde estaria colocado originalmente, mas seria mais acima. Terá tombado pela vertente e parou aqui, porque é muito pesado, não é perfeitamente cilíndrico, tem tendência cónica. Ficou aqui preso, coberto de terra e vegetação, protegido ao longo destes milénios». Até que um apaixonado pelos fósseis, bem mais antigos, o descobriu e deu a conhecer ao mundo.

Os estudantes que participam na escavação – Foto: Elisabete Rodrigues | Sul Informação

E agora, completada a semana de trabalho de campo e da primeira campanha de escavações arqueológicas de todo o território que hoje faz parte do concelho de São Brás de Alportel, o que vai acontecer com o menir? Será deixado naquele local? Será levado para outro?

O arqueólogo responsável pelos trabalhos avançou que o relatório final que terá de fazer culminará com uma proposta. No entanto, adverte, a solução terá de ser decidida a três, entre a Câmara Municipal, a Direção Regional de Cultura e a DGPC (ou o organismo que lhe vai suceder), com base no parecer técnico da UAlg e com o acordo dos proprietários dos terrenos do Monte do Trigo.

Quanto à «conservação do próprio objeto, o que será melhor? Deixá-lo aqui ou levá-lo para um sítio onde possa ser visto?», interrogou.

António Faustino de Carvalho confessou que ainda está «a hesitar». É que o menir «está fissurado ao meio, tem várias lascas prestes a cair».

Se ficar exposto na encosta do monte onde foi encontrado, «corre o risco de lhe acontecer o que não aconteceu nos últimos 5500 anos, que é fraturar-se de vez».

Mas, «se o levarmos daqui, até se pode partir não em dois, mas em quatro bocados». Além do mais, trazer máquinas até à vertente do Monte do Trigo não será tarefa nada fácil.

Caso se opte por retirar o menir, onde poderá ele ficar? O arqueólogo aventou a hipótese do Centro Explicativo da Calçadinha, em São Brás, «onde há um espaço exterior no qual a peça poderá ser remontada e consolidada».

Frederico Tatá Regala, da Direção Regional de Cultura, acrescentou, a propósito, que «um roteiro cultural não se baseia numa peça isolada».

Vítor Guerreiro, presidente da Câmara Municipal de São Brás, agradeceu a «disponibilidade total» por parte dos proprietários dos terrenos, um dos quais, Dário Rosa, também presidente do Grupo Desportivo e Cultural de Machados, acompanhou a visita.

Quanto ao futuro destino do menir do Monte do Trigo, o edil são-brasense manifestou-se «aberto às indicações técnicas que valorizem este património».

Um menir é «um monumento em pedra trabalhado, uma pedra colocada na vertical, polida, desbastada, frequentemente para assumir uma forma fálica». Trata-se «dos primeiros monumentos em pedra da história da Humanidade».

Quem o explica é António Faustino de Carvalho, arqueólogo e professor na Universidade do Algarve, responsável pela campanha de escavações arqueológicas que decorreram no Monte do Trigo, ao pé de Machados, concelho de São Brás de Alportel.

Além do menir, quase completo, e de alguns fragmentos (ler o texto principal), não foram encontrados quaisquer outros objetos. Porquê?

Porque essa comunidade do Neolítico, de há 5500 anos, «não viveu aqui, no monte. Vinham aqui cultuar, possivelmente os seus antepassados, a fertilidade da terra», disse o especialista.

«Eles foram os primeiros agricultores da história da Humanidade e estavam muito dependentes dos ciclos sazonais para a época das sementeiras ou das colheitas, para a reprodução dos animais. A mundivisão deles, o modo como olhavam para o universo, a terra, o seu território, estava muito dependente desses ciclos», acrescentou.

«Daí, eles construírem estas pedras, talhadas em forma de falo, para simbolizar a fertilidade dos animais, das pessoas e das terras. Eles aqui vinham cultuar essa maneira de olhar para o mundo».

E que razão para esta atração pelo alto dos montes, tão velha como, provavelmente, a Humanidade? «Este é o local ideal, como nós ainda hoje fazemos com as ermidas, com as procissões tradicionais que sobem ao cimo dos montes, que ainda hoje são locais de culto e têm nome de santos», respondeu António Faustino de Carvalho.

E porquê? «Desde logo, porque estão mais próximos do céu e depois porque, lá de cima, conseguimos ver todo o nosso território, onde temos a nossa subsistência, onde temos os campos agrícolas, onde temos os animais a pastar, onde temos a nossa própria aldeia», acrescentou o arqueólogo, pondo-se na pele de um habitante pré-histórico.

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